Uma criança pequenina corre curiosa e pára, à entrada,
para percorrer tudo com o olhar como que a descobrir o mundo ali dentro. Terá
talvez menos de dois anos, uns olhitos bem abertos e a respirar vida. Como
qualquer criança pensa que todo aquele espaço está ao seu dispor. Num movimento
rápido e ainda meio descoordenado, corre e pára diante de uma montra de
bonecos. A mão no vido, o olhar cruzado entre os bonecos feios e a mãe,
aquela que é a melhor do mundo, um novo olhar para a montra e nova corrida.
Um homem estava sentado e curvado num banco de
madeira, parecia só então ter reparado nele. Parou, aproximou-se, voltou a
parar, curvou-se um pouco e olhou. Ele estava a chorar.
A mão pequenina pousou no joelho do homem buscando um
apoio para que ela pudesse curvar-se mais e ver melhor, questionando-se se era
verdade e porque razão aquele homem, um homem tão grande, estava a chorar. As
lágrimas caíram mais pesadas quando ele sentiu a mão pequenina tocar-lhe como
um carinho e olhou os seus olhitos bem lá no fundo.
A criança, arregalou os olhos, franziu a testa, perdeu
o sorriso e caminhou, lenta, para a mãe. Descobrira o que acreditara não poder
ser verdade, que os homens também choram, alguns, pelo menos, porque o pai que
a abraçava e beijava era forte, não tinha medo de nada, o seu colo era o lugar
mais seguro no mundo.
A mãe afagou-lhe os cabelos e, num instante, a criança
recuperou toda a sua segurança: os homens choram, mas a mãe, embora chore
também, porque ela já a havia visto chorar algumas vezes, é forte e segura e
sabe que fazer em cada momento para a proteger. Não houve palavras, mas também
ela, a mãe, vira que o homem chorava.
Hesitou, pensou, repensou, caminhou, sentou-se e
saudou o homem. Na resposta, perguntou se poderia ajudar.
Eram 17h19 em ponto, um comboio partiu, rumava a
Handaye. Cruzaria terras de Espanha, paisagens verdes de Donostia, San
Sebastián em linguagens castelhanas. Uma mudança, e um TGV levaria aquelas
gentes a Paris.
Um comboio partiu e um homem ficou. Sentado no banco de
madeira, levantou mais o olhar, e limpando o rosto com um lenço branco disse:
“Obrigado, mas nem eu sei o que quero, procuro não sei o quê nem quem, cruzo-me
entre um mundo desconhecido e virtual e um outro que tenho, conheço e é real.
Queria partir e ficar, o meu coração gemia e dizia que não fosse, a imagem dela
atraía-me como íman e chamava por mim numa voz de sereia.
Chorei porque hesitei, morria por dentro, mas uma mão
pequenina no meu joelho e um rosto curioso no meu olhar, num instante me fizeram
decidir”.