quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Estava viva e amava-o (16)

Num momento passou-lhe pela mente a imagem de morte numa certeza absoluta de que ela era real e numa certeza absoluta e confusa de que estaria a sonhar porque esse momento não podia ser real. Envolveu-o  a imagem de uma ninfa esmagada pelos rodados grossos do camião.

Parou petrificado e assim ficou até ao momento em que o roncar daquele mostro se fizeram ouvir mais intenso, enquanto  negras massas de fumo se iam desvanecendo para trás. Ela caminhava com o cabelo esvoaçando ao vento  e essa imagem fê-lo readquirir forças e, num passo hesitante, caminhar no sentido em que ia antes.

Queria sentir-se em paz, e a paz só era possível porque sabia que ela estava viva e que o levava dentro de si, e que iria para longe, mas que voltaria, e que, lá longe, não deixaria de o lembrar e que, se o lembrava era porque ele não lhe era indiferentes e que isso era a prova provada de que ela o amava.

Mas a vida continuava e o tempo não era de se ficar parado a ver passar a história, porque o amor move os corações, faz ferver de energia, e transforma a vida de quem ama.

A Paz voltara a descer sobre ele. Eram mil e uma emoções fortes, bem fortes, as que estava a viver nos últimos dias: a morte de um ente bem querido e a certeza de que ele faz parte da eternidade, a certeza de que alguém o ama, a certeza de que, pelo menos aparentemente, nada pode destruir tanta felicidade. Era quase palpável a energia que se fazia sentir sobre ele.

Era essa força, essa energia, que havia de segurá-lo tantas vezes de pé sem sucumbir diante do fracasso, do medo e de tantas dores que pelo tempo além a vida havia de trazer-lhe. Mas isso não importava.

Um pontapé numa pedra, que rolou rapidamente estrada além, e um pequeno passarinho assustado que levantou voo. Um sorriso vivo e o esquecimento definitivo de algumas mulheres que fizeram parte da sua história e do seu imaginário. Um salto por cima de um marco e um ramo verde que arranca, traiçoeiro, de um arbusto.

Entrou em casa a trautear uma melodia de Strauss. A ponta da camisa fora do sítio, desfraldado, como lhe  dizia, tantas vezes, a mãe.

Sentido novo, vida nova, encanto marcado por um espírito diferente.  “É o Espírito Santo que anda muito atento comigo”, brincou ele interiormente ao perceber-se assim feliz. Ficou mais feliz por dentro ao pensar-se amado por Deus. 

Fazia-lhe bem, muito bem, a fé que mantinha desde a infância.                        

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