segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Atirou-se ao Rio (18)


Saíra de casa com ar de galhofeiro pela partida que pregara à mãe. Era feriado e por isso não tinha que ter ido trabalhar. Fez o que, desde a morte do pai, fazia, sempre que não tinha que ir trabalhar: umas saídas de casa, uns dedos de conversa com um ou outro amigo, umas cervejas frescas, que apelidava de loiras.

Na conversa, com “os três jeitosos”, como lhes chamou quando os vira descambou para a má língua. Palavra puxa palavra, e Gaby, roída de inveja, e sempre de língua preparada para cortar na vida fosse de quem fosse, lança a farpa do mal.

Não imaginando sequer que alguém ali presente se estivesse a sentir morrer de paixão pela Ninfa, lançou para o ar o viperino veneno dizendo que ela tinha partido para as Américas para fugir de uma gravidez indesejada. “Tás doida?” pergunta-lhe a Andreia, enquanto o Henrique franze o sobrolho e pensa “lá volta ela a atacar quem consegue singrar na vida”.

As entranhas revolveram-se-lhe e sentiu um ódio frio subir-lhe o corpo. Os olhos humedeceram-se, os lábios semi-cerrados deram ênfase ao “v” quando lhe disse: “Víbora. Tens tanto veneno, Gabriela, que sem te dares conta a tua vida acabará afogada nele” e saiu para não arrancar um par de estalos e lhe marcar a cara com eles para sempre.

Chorou, caminhando sem reparar onde punha os pés, nos odores que as flores exalavam, ou na vida que continuava a acontecer. Pensava no rancor que sentia pela Gabriela: se já a não “gramava”, acabava-se de vez, nunca mais lhe dirigiria a palavra.

Estava decidido a nunca falar mal de ninguém “como se pode ser tão injusto, que interesse tem esta gente em criticar, em fazer mal? Como é que as pessoas não têm coragem ou capacidade para julgar, em princípio, bem as pessoas? Será que alguém lucra alguma coisa com o mal que, entre dentes, ou descaradamente se levanta sobre os outros? Gente hipócrita…” pensava.

O coração só acalmou o ritmo das batidas ao pensar na certeza que tinha de que ela, a mulher que amava, partira por ter tido capacidade, por ter lutado e conseguido chegar um pouco mais longe na vida que ”aquela parva” que nunca foi capaz de sair da cepa torta”  O ritmo cardíaco voltou a acelerar.

Como era seu hábito desde a transformação que nele se operara pela morte do pai, rebuscou a memória o procurou a Palavra de Deus e que lhe diria ela sobre o que estava a viver. 

Pensou na mulher adúltera, na trama que se gerou à sua volta e na reacção de Jesus. Ficou aliviado. Olhou à volta, ninguém via, ganhou coragem, preparou-se e atirou-se ao rio.



terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Nem ele se entendia a si mesmo (17)


Ela partira havia um pouco mais de oito dias. Desde então, ele não parecia o mesmo. No dizer de uma vizinha, aquele rapaz era muito fácil em deixar-se ir abaixo rapidamente, na tristeza, mas com qualquer boa notícia, parecia subir aos céus como se a vida não tivesse quase a obrigação de nos ir cravando na carne uns espinhos que façam lembrar o quanto se é pequeno e limitado.

De um entusiasmo esfuziante passou a uma tristeza melancólica. Ninguém o entendia, pensava ele, como sentia também não se entender ele a si próprio. Ela partia na busca da realização de um sonho seu, porque haveria ele de ficar a lamentar-se pelos cantos como se isso representasse quase o fim do mundo?

O olhar e o beijo com que, no aeroporto, se tinham despedido gravou nele a certeza de que, naquele momento, tudo sentiam um pelo outro. Mas o levantar sonoro do avião levou para longe, bem longe, um pedaço de si. O coração, meio lamechas, tinha-se partido e metade fora com ela para os Estados Unidos e o espaço que dele ficou tornou-se vazio e escurecido pela saudade.

“Levanta-te, homem!” ouviu a mãe dizer, quando chegou a casa vinda de uma consulta médica. “Andas para aí meio morto, olha que um homem é um homem e um bicho é um bicho! Vais ficar eternamente anestesiado de saudades só porque a mulher que amas foi estudar para longe? Ai filho - continuou - o que seria de ti se fosses tu a estar nas minhas vezes quando o meu pai, o teu avô foi alistado para o Ultramar! Sabes que são as mágoas que arreigam as forças humanas, espetam-nos as raízes no coração e na vida e nós ficamos mais fortes! Vá lá, deixa arribar essa alegria e em vez de pensares em ti agora acredita em vocês os dois daqui a meia dúzia de anos. Se o amor existir, nada vos pode separar.”

Atirou-lhe com o resto da água que ficava no copo em que acabava de beber. Molhou-a, deu uma gargalhada sonora e, enquanto se esquivava a umas simpáticas palmadas com que a mãe parecia ameaça-lo por tê-la molhado, disse: “tenho a  melhor mãe do mundo.” E esgueirou-se porta fora.