segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Olhares com cor

Vivia numa terra estranha, segundo os nossos olhos podem ver e o pensamento pensar. Era um sítio lá longe, muito longe, onde nem os foguetões grandes conseguem ir. Tão longe, que a luz do sol, um sol mais bonito do que o nosso, nunca se apaga porque lá todos vivem sempre a sorrir e não há luas que escondam o sol da vida das pessoas, nem zangas que apaguem o brilho dos sorrisos, porque as pessoas são pequeninas por fora e muito grandes por dentro. 

O “S”, vamos chamar-lhe assim para falarmos dele, porque lá, na terra onde vive, ninguém tem nome, porque não precisam de ter nome pois não falam uns dos outros e todos se conhecem pelo brilho do sorriso e pela cor do olhar. Sim porque o sorriso tem brilho e o olhar tem cor, mesmo cá entre nós, por isso é que há sorrisos bonitos e feios e olhares que que são uma coisa ou outra, também.  O “S”, estávamos a  dizer, fechou os olhos, não para descansar porque lá as pessoas não se cansam, para ver mais fundo. E viu. Viu, lá longe, muito longe, uma bola grande dentro dos seus olhos pequeninos. Era feita de sombra. Fechou mais os olhos e viu que afinal era de uma cor azul, um azul bonito, mas nada tão bonito como o azul do olhar da sua irmã.

Fechou mais os olhos pequeninos e o olhar levou-o a voar para aquela bola. Voou, voou e foi parar ao pé de uma árvore grande, muito grande. Olhou para cima e achou que ela chegava até ao céu, e ele sorriu porque era uma árvore toda cheia de luzes a acender e a apagar e ele sorriu ainda mais porque na terra dele a luz nunca se apaga. Olhou à sua volta e viu muita escuridão, era de noite e ele não sabia o que era a noite. Recuou alguns passinhos e ficou debaixo da árvore que dava luz.

Olhou uma lâmpada pequenina. Ela brilhou e ele perguntou e os dois falaram com palavras de luz: “Olá, que mundo é este?”. “É a terra, o mundo dos humanos”. “Tão escuro!”. “Sim, nesta época acendem muitas luzes, alguns, porque outros gostam mais de andar na escuridão”. “Mas porquê?”. “Porque é Natal”. “E o que é o Natal?”. “Não sei, prenderam-me a estes fios para segurarem a minha luz. Eu queria sair e descobrir o que é mas não posso”. “Eu vou descobrir e depois passo para te contar”.

E o “S” saiu a querer encontrar e saber o que era o Natal. Andou e perguntou,  mas não conseguiu perceber tudo. Continuou a andar dando passos muito rápidos com o pensamento. E Disseram-lhe que o Natal, era tempo de alegria, e ele viu tantas crianças sem o afeto de um pai e uma mãe; disseram-lhe que o Natal é paz e ele viu maridos e esposa a discutir; disseram-lhe que o Natal é partilha de vida e ele viu gente deitada nas ruas, sem nada, quase sem vida; disseram-lhe que o natal é luz e ele viu os olhares escuros dos velhinhos tristes porque os filhos se esqueceram deles sozinhos em casa; disseram-lhe que o Natal é o nascimento de Deus e ele viu gente cheia de ódio  e ouviu dizer mal dos outros e ouviu músicas bonitas a sair de corações tristes, e viu igrejas onde Deus estava sozinho; disseram-lhe que o natal é numa noite, a noite mais mágica, e ele encontrou essa noite e sentiu-a a noite mais triste, porque não viu gente nas ruas e viu jantares ricos e achou que o Natal ia acabar quando acabassem os jantares.

E chorou, nessa noite. Chorou lágrimas de tristeza, e ele só conhecia as lágrimas de alegria. E ficou mais triste porque as lágrimas de tristeza sabem mal, porque são salgadas. E o vento, o vento que se levantou ligeiro, trouxe-lhe um pedaço de papel e ele deitou-se em cima dele porque estava cansado. Neste mundo as pessoas cansam-se. Adormeceu. As letras pretas daquele papel, um pedaço de jornal, entraram-lhe na mente e ele leu uma notícia, mesmo a dormir: “Jovem apresentadora de televisão, com 24 anos, morreu de cancro, um mês depois de dar à luz, por se recusar a fazer quimioterapia para não prejudicar o bebé”. Pensou que estava a sonhar, mas outra notícia entrou a correr e interrompeu-lhe o pensamento: “Em Londres, jovem estudante pede a um mendigo dinheiro para o autocarro e ele dá-lhe as 3 libras que tinha”. E outras, e outras noticias que leu, deixaram-no a sorrir por dentro, mesmo a  dormir.  

E acordou, acordou quando um raio de luz, do sol da terra dos humanos, lhe aqueceu a vontade de correr, e correr ainda mais, para ir contar à pequenina lâmpada presa na árvore de natal o que era realmente o Natal. Mas ela estava sem luz, era dia, e ele percebeu que a luz só voltaria a estar presa naquela lâmpada num próximo Natal, porque os humanos só pensam no Natal quando é dezembro. Estava tão feliz que pediu à lâmpada que no próximo ano dissesse à luz que ele iria voltar.

Sentiu um afago de mão de mãe, daqueles que só as mães sabem dar. Abriu os olhos e naquele mesmo instante estava lá na terra dele, lá muito longe, onde a luz do sol nunca se apaga e as pessoas não têm nome e não falam das outras. Sorriu com o olhar e disse: “Sabes mãe, encontrei o Natal da terra dos humanos, mas acho que muitos deles ainda não o viram.

                                                                                                                                                       Natal de 2014